Alzheimer

Doença de Alzheimer e novas perspectivas 
Filipe Serrano


Introdução

Descrita em 1906 por Alois Alzheimer, um psiquiatra alemão e neuropatologista, a doença de Alzheimer refere-se a uma condição de neurodegeneração progressiva, com graves alterações comportamentais e cognitivas que conduz ao mais grave estado de demência, culminando com a morte. 

Esta doença é provocada pela morte neuronal progressiva devido a deposição de placas de agregados proteicos β–amiloide e emaranhados neurofibrilares de uma proteína tau. Estas placas depositadas de início intracelularmente, interferem com os sistemas intracelulares de metabolismo e condução de vesiculas. Mais tarde, há depósitos intracelulares que acabam por interferir com a comunicação, metabolismo e reparação de neurónios. Os primeiros neurónios afectados geralmente localizam-se na área entorrina, progredindo para o hipocampo e, a partir daí, a disseminação dá-se para diversas áreas do córtex, sugerindo um circuito ainda não clarificado. 

Fig 1 – Placas senis com depósitos de proteína β-amiloide  
Os primeiros sintomas são comumente conhecidos como perda de memória a curto prazo e confusão (o típico paciente que já não se recorda do caminho para casa). Mais tarde, os sintomas são dificuldade no raciocínio e expressão, desorientação temporal e espacial, comportamento social inadequado, agnosia e apraxia, e instabilidade emocional. Em estádios finais, os pacientes perdem capacidades motoras, perdem controlo voluntário sobre o corpo, entram em estado vegetativo e morte.
Fig 2 – Células saudáveis em comparação com células em degenerescência por doença de Alzheimer 
O tratamento é, infelizmente, apenas sintomático, resumindo-se essencialmente a Inibidores da colinesterase, antagonistas parciais da N-metyl-D-aspartato (NMDA), psicotrópicos, entre outros. 

Em 27 de Junho de 2012 é publicado um artigo na revista The Journal of Neuroscience onde, pela primeira vez, foram vistas placas de β-amiloide a transitar de neurónio para neurónio e neurónio-célula da glia. (Nath, S., Agholme, L., Kurudenkandy, F. R., Granseth, B., Marcusson, J., & Hallbeck, M. (2012). Spreading of Neurodegenerative Pathology via Neuron-to-Neuron Transmission of β-Amyloid. The Journal of neuroscience: the official journal of the Society for Neuroscience, 32(26), 8767-77. doi:10.1523/JNEUROSCI.0615-12.2012) 

Neste artigo, os autores referem ter visto proteínas marcadas serem passadas de célula para célula, por transferência directa, interferindo depois com o sistema endossomal e acabando por levar à morte celular. 


Materiais e métodos 


Injectaram em células hipocampais do rato, e em células neuronal-like humanas (SH-SY5Y) o olígomero oAβ1-42-TMR (6-carboxytetrametilrodamina), e após as microinjecções, colocaram-nas em cultura. Esta injecção foi feita em neurónios seleccionados. 

Em cultura, as células injectadas não foram marcadas (visto conterem a oAβ1-42-TMR já previamente marcado). As células receptoras foram marcadas com marcador verde EGFP e oAβ1-42-TMR marcada a vermelho congo. 

O recurso a imunocitoquímica permitiu observar vesículas sinápticas e membranas lisossomais. Ao observar as culturas em diversas fracções de tempo, recorreram a um vídeo com técnica time-lapse para seguir os movimentos da oAβ1-42-TMR.

Fig 3 – Neurónios contendo oAβ1-42-TMR. Em c, distribuição da proteína após 24h  


Resultados 


Após 24h de cultura com células dadoras e receptoras, identificaram-se oligómeros em neurónios circundantes de células injectadas e em todas as células da glia em contacto directo com os neurónios injectados. Porém a disseminação não seguia um padrão simétrico, nem “quantidade-distância”, isto é, células injectadas com uma quantidade X não tinham à sua volta células injectadas com uma fracção proporcionalmente maior que células mais distantes, podendo verificar-se que células mais distantes podiam inclusivamente ter mais quantidade de oligómero. 

A transmissão era efectuada sempre entre neurónio-neurónio e neurónio-glia, não se verificando glia-neurónio. 

Um outro dado importante observado é que este transporte de oAβ1-42-TMR aparenta formar granulações no citosol, e depende do sistema endossomal. Esta observação é corroborada com o facto da velocidade de passagem de oAβ1-42-TMR de célula para célula ser idêntica à velocidade do transporte de endossomas e lisossomas

Outra situação curiosa observada é que a diferenciação é crucial para este transporte. Em culturas onde não houve factores de diferenciação nas células neuronal-like, estas células não se diferenciaram devidamente e não se verificaram transmissões de oAβ1-42-TMR. 

Após 3 dias de incubação, tanto as células dadoras como as receptoras de oAβ1-42-TMR já apresentavam alterações de forma e, por oposição, as células que não receberam oAβ1-42-TMR mantiveram-se intactas. 


Discussão 


Este artigo sugere que este modelo in vitro possa ser o que realmente acontece in vivo na transmissão destas placas ao longo do Sistema Nervoso. No entanto não se determinou um receptor específico para esta transmissão. Porém, verificou-se que de facto esta proteína é causadora de morte celular, quer nos neurónios onde se forme inicialmente, quer nos neurónios onde seja transmitida. Embora o mecanismo de transmissão seja desconhecido, os investigadores suspeitam de um modelo em que neurónios depositam extracelularmente (devido ao excesso de formação de placas) a proteína β-amiloide, por exocitose, e uma vez no meio extracelular, células da glia (devido à sua função) e neurónios em comunicação, captam e internalizam estas proteínas em vesiculas propagando a infecção, tipo prion-like

Fig 4 – Células dadoras com oAβ1-42-TMR a vermelho e células receptoras a verde. Células humanas e células do rato.
























Fig 5 – Frames capturados onde se observam em pormenor depósitos de oAβ1-42-TMR passando de uma célula para outra.
Perspectivas futuras 


Após este artigo, novos horizontes devem ser explorados no sentido de determinar receptores envolvidos na internalização destas proteínas, a fim de ser possível travar a progressão da mesma de neurónio em neurónio. O desenvolvimento de novos fármacos pode ser uma aposta interessante, tanto por via da destruição da proteína, como em vias de formação e transporte da mesma. 


Bibliografia 

  • Association, A. (2009). 2009 Alzheimer’s disease facts and figures. Alzheimer’s & dementia : the journal of the Alzheimer's Association, 5(3), 234-70. doi:10.1016/j.jalz.2009.03.001 
  • Dumery, L., Bourdel, F., Soussan, Y., Fialkowsky, A., Viale, S., & Nicolas, P. (2001). Revue générale β-Amyloid protein aggregation : its implication in the physiopathology of Alzheimer ’ s disease, 8114(00), 72-85. 
  • Nath, S., Agholme, L., Kurudenkandy, F. R., Granseth, B., Marcusson, J., & Hallbeck, M. (2012). Spreading of Neurodegenerative Pathology via Neuron-to-Neuron Transmission of β-Amyloid. The Journal of neuroscience : the official journal of the Society for Neuroscience, 32(26), 8767-77. doi:10.1523/JNEUROSCI.0615-12.2012 
  • Weiner, M. W., Veitch, D. P., Aisen, P. S., Beckett, L. a, Cairns, N. J., Green, R. C., Harvey, D., et al. (2012). The Alzheimer’s Disease Neuroimaging Initiative: a review of papers published since its inception. Alzheimer’s & dementia : the journal of the Alzheimer's Association, 8(1 Suppl), S1-68. Elsevier Inc. doi:10.1016/j.jalz.2011.09.172 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.