Coifa dos rotadores

Rotura/ ruptura da coifa dos rotadores - Mecanismo de adipogénese pós-lesão
Estela Cabral

A rotura da coifa dos rotadores é uma das principais causas de dor e invalidez na populao adulta. Estima-se que, em 2008, nos EUA, mais de 2 milhões de pessoas recorreram ao médico por lesão da coifa. 
A anatomia da articulação gleno-umeral confere-lhe muita mobilidade mas pouca estabilidade. A coaptação articular é possível pela acção dos quatro músculos da coifa dos rotadoes: supraespinhoso, infraespinhoso, subescapular e pequeno redondo. 
O músculo mais fruquentemente sujeito a rotura é o supraespinhoso. Quando ocorre rotura, a inserção do tendão na cabeça do úmero é danificada. 

Podem surgir dois grandes tipos de rotura: 
  • Rotura parcial – há lesão do tecido mole, mas sem que haja rotura completa 
  • Rotura completa – o tecido mole é dividido em duas partes; ocorre, normalmente, ao nível da inserção do tendão na cabeça do úmero 

Figura 1 - Exemplos de roturas da coifa dos rotadores



As causas das roturas podem ser desde uma situação aguda, como uma queda ou movimento brusco do ombro em carga, ou uma situação de degeneração que ocorre com o sobreuso da articulação ao longo dos anos, assentuado pelo processo degenerativo natural que ocorre com a idade. 


Tratamento 

Existe tratamento não cirúrgico (medicação com anti-inflamatórios, fisioterapia, descanso…) que permite melhorar a sintomatologia associada à rotura, mas que muitas vezes é insuficiente. 
O tratamento cirúrgico está indicado se: 
  • Os sintomas perduram há mais de 6 meses 
  • A rotura é superior a 3 cm 
  • Existe uma perda significativa e força e função ao nível do ombro 
  • A rotura ocorreu por uma lesão recente e aguda 
O foco da cirurgia é refazer a ligação do tendão ao osso.


No entanto, os resultados que se esperam ter com a cirurgia não são alcançados. Diversos estudos têm avançado com explicações para este facto. 

A principal causa do insucesso pós-cirúrgico deve-se à deposição de tecido adiposo ao nível do músculo afectado, diminuindo a sua capacidade contráctil. Isto leva a que a mobilidade e força do braço fiquem comprometidas. 

Ao longo dos anos foram elaboradas, com base em imagiologia por RM e ultrasom (ecografia), diversas escalas que permitissem avaliar o grau de deposição de tecido adiposo no músculo. Duas dessas escalas, são as de Goutallier e a de Fuchs (Quadro 1 e Figura 2).

Quadro 1- Classificação de degeneração por tecido adiposo , segundo estadios definidos por Goutallier  et al e Fuchs et al.

Figura 2 - Estudo por ressonância magnética (RM).

A substituição de tecido muscular esquelético por tecido adiposo unilocular é observável através de imagens histológicas de tecido obtido através de biópsia. 

Figura 3 -  Degeneração adiposa em modelos de coelhoes com rotura completa da coifa dos rotadores. (Grupo de controlo às 2 semanas – A e às 6 semanas – D; tenotomia completa às 2 semanas – B e às 6 semanas – E; desnervação às 2 semanas – C e às 6 semanas – F)

A origem do tecido adiposo que invade o músculo ainda não está bem esclarecida, mas num estudo recente, Kang e colegas avançaram com possíveis explicações para a depoisção do tecido adiposo no músculo, após a lesão. As hipóteses incluem: 
  • Proliferação de adipócitos pré-existentes no músculo 
  • Diferenciação de células pluripotentes em adipócitos maduros 
  • Recrutamenteo de adipócitos de tecidos que não o músculo 

Os adipócitos derivam de uma população de células pluripotentes, as células estaminais mesenquimais (MSCs). Estas células são capazes de se diferenciar em diversos tipos de células progenitoras (condrócitos, mioblastos, adipócitos). Existem duas importantes famílias de factores de transcrição envolvidas na diferencição de pré-adipócitos em adipócitos maduros: 
  • PPARs – peroxisome proliferator-activated receptors 
  • C/EBPs – CCAAT/enhancer-binding proteins 

Outros factores de transcrição importantes são aquele envolvidos na diferenciação de mioblastos em células musculares maduras: 
  • Myogenin 
  • MyoD1 
  • Myf5 

Figura 4 - Diferenciação celular de adipócitos e miócitos. MSCs são precursores comuns precursores de mioblastos e adipócitos. Factores de transcrição miogénicos (myogenin, MyoD1, Myf5) e factores de transcrição adipogénicos (PPAR, C/EBP) promovem o desenvolvimento de miócitos e adipócitos maduros. A via de sinalização Wnt inibe a transdiferenciação de mioblastos em adipócitos maduros, e é directamente activada pela tensão mecânica no músculo.


A via de sinalização Wnt é considerada de regulador chave da adipogénese das MSCs. Estudos in vitro comprovaram que a via Wnt suprime a adipogénese; a ausência de sinalização Wnt induz uma reprogramação espontânea dos mioblasots em direcção à diferenciação de adipócitos. 

O alongamento (tensão) mecânico do músculo leva à activação da via de sinalização Wnt, inibindo a diferenciação de mioblastos em adipócitos. 

Assim sendo, aquando da rotura muscular, a ausência do estímulo tensional sobre o músculo promove o início das vias adipogénicas tanto de células estaminais pluripotentes como de populações de células precursoras no músculo. Isto leva às alterações fenotípicas (depoisção de tecido adiposo) que se observa no músculo. 

Aquando da ausência do estímulo tensional sobre o músculo, há um “upregulation” dos factores de transcrição adipogénicos (PPAR e C/EBP) bem como dos miogénicos (myogenin, MyoD1, Myf5). Os próprios mioblastos têm capacidade de “transdiferenciação” para adipócitos com expressão de PPARs e C/EBPs. Os valores elavados destes factores de transcrição em modelos animais, pós lesão da coifa, corrobora a hipótese de que a transdiferenciação de precursores pluripotentes é um grande contributo da formação dos adipócitos. 

Existem também células estaminais ao nível dos tendões com capacidade de se diferenciarem em adipócitos, o que pode explicar o porquê das lesões ao nível do tendão também levar à formação de adipócitos no tecido muscular. 

Para além disto, o “upregulation” da via Wnt parece influenciar as células satélite existentes no músculo. As células satélite são um grupo de células progenitoras residentes no músculo do adulto, responsáveis pela regeneração após uma lesão. A idade e o ambiente extracelular afectam a capacidade regenerativa destas células. Esta influência da via Wnt pós-lesão leva a um fenótipo de fibrose em vez de miogénes (em modelos de ratos com idade avançada). A relação entre as células satélite e degeneração por tecido adiposo ainda está sobre investigação. 

Com base neste estudo é possível perceber a importância e os benefiícios do tratamento cirúrgico após rotura da coifa. Quanto mais precoce for a cirurgia, mas rapidamente se reestabelece o estímulo tensional no músculo diminuindo assim a deposição de tecido adiposo ao nível muscular. 

Futuras terapêuticas a serem desenvolvidas estão direccionadas à prevenção da diferenciação celular adipogénica de células precursoras, e reestabelecer a capacidade regenerativa dos músculo lesionado. 


Bibliografia
  • Fuchs B, Weishaupt D, Zanetti M, Hodler J, Gerber C. Fatty degeneration of the muscles of the rotator cuff: assessment by computed mography versus magnetic resonance imaging. J Shoulder Elbow Surg 1999;8:599-605. 
  • Gupta R, Lee TQ. Contributions of the different rabbit models to our understanding of rotator cuff pathology. J Shoulder Elbow Surg 2007; 16:S149-57. 
  • Kang J, Gupta, R. Mechanisms of fatty degeneration in massive rotator cuff tears. J Shoulder Elbow Surg 2012; 21, 175-180. 
  • Magee D. Orthopedic Physical Assessment. Saunders. 2008, 5th Ed. 
  • Ross M, Paulina W. Histology: A Text And Atlas. Lippincott Williams & Wilkins. 2011, 6th Ed. 
  • American Academy of Orthopaedic Surgeons: Rotator Cuff Tears. http://orthoinfo.aaos.org/topic.cfm?topic=a00064

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