Lentigo Maligno

Raios Grenz no tratamento de lentigo maligno e estados precoces de melanoma lentigo maligno. 
Fernando Marques


Lentigo maligno (LM) é um melanoma in situ, isto é, é constituído por células malignas, mas sem mostrar crescimento invasivo. Lentigo maligno não é o mesmo que melanoma lentigo maligno. Tipicamente, o lentigo maligno progride muito lentamente e pode permanecer numa forma não-invasiva durante anos. A transição para o melanoma é marcada pelo aparecimento de uma superfície irregular (marca própria de crescimento vertical e invasão), confirmando-se o diagnóstico com biópsia (Fig.1). É normalmente encontrado em idosos (pico de incidência nas décadas 70 e 80), em áreas da pele com altos níveis de exposição solar, como o rosto e os antebraços. 


Fig.1: Melanoma lentigo maligno (MLM) na zona da prega labial num doente com 89 anos (à esquerda). Imagem histológica de MLM, evidenciando invasão celular e de melanócitos da derme (à direita).

Alguns autores não consideram o lentigo maligno um verdadeiro melanoma, mas assumem-no essencialmente como um precursor de melanoma. O risco de progressão de LM para melanoma invasivo não é claro e os estudos são inconclusivos. O risco estimado para ocorrer invasão situa-se entre os 5% e os 50%. As lesões do LM muitas vezes são extensas e são comummente encontradas na face. A maioria das diretrizes advoga excisão cirúrgica com 5 - 10 mm de margens. No entanto, um tratamento em que se obtenha simultaneamente bons resultados estéticos e funcionais é muitas vezes difícil de alcançar. A literatura refere diversos procedimentos no tratamento e manutenção do LM que incluem a cirurgia convencional, excisão parcial e total do tumor, cirurgia micrográfica de Mohs (realizada a 3D), crioterapia, radioterapia, terapia laser e ultimamente, imiquimod – medicamento que funciona como modelador da resposta imune. 

O Departamento de Dermatologia do Hospital Universitário Karolinska de Estocolmo tem uma vasta experiência no uso de raios Grenz (RG) no tratamento de dermatoses inflamatórias crónicas e na década de 1990, decidiram realizar um estudo a médio prazo para avaliar de forma sistemática e controlada a ação destes raios como alternativa ou complemento à cirurgia, prática esta muito invasiva. 

Os RG fazem parte do espectro eletromagnético que compreende raios-X de baixa energia. Foram desenvolvidos por Gustav Bucky, em 1923, usando um tubo de vácuo do cátodo com um janela de vidro de borato de lítio que ele rotulou de raios Grenz, uma vez que acreditava que os efeitos biológicos se assemelhavam à luz UV e aos tradicionais raios-X e, portanto, estava na fronteira entre os dois (Grenz = fronteira, em alemão). Esses raios também são conhecidos como raios Bucky. 

No início da década de 1990, Panizzon et al. publicou excelentes resultados alcançados com radioterapia no combate ao LM. Uma taxa de 100% de cura foi obtida por 104 pacientes com LM durante um período de acompanhamento de 7,3 anos, daí o interesse do Departamento de Dermatologia do Hospital Universitário Karolinska em desenvolver este método. Panizzon utilizou a técnica de Miescher, uma radioterapia fracionada com grandes doses de RG (12 kV). 

Com efeito, entre 1990 e 2009, 593 pacientes com LM ou início de MLM (372 mulheres e 221 homens) receberam tratamento com RG. Todos foram examinados antes do tratamento, histologicamente e clinicamente, bem como por dermatoscopia, pelo mesmo dermatologista. 

Os pacientes foram subdivididos em 3 categorias de tratamento: RG como terapia primária, excisão cirúrgica parcial seguida de RG, excisão cirúrgica total (histologicamente comprovada e caracterizada por margens livres e sem pigmentação clinicamente identificável) seguida por RG. Os pacientes submetidos a cirurgia, foram posteriormente sujeitos a radiação durante 6 semanas. As categorias de tratamento foram atribuídas segundo critérios anatómicos, histológicos e de acordo com o estadio do LM ou MLM. O estadio da lesão foi avaliado por biópsia e classificados segundo Duperrat: fase de mácula ou MLM nível 0, fase de lentigo ou MLM nível de Clark 0, ‘‘Melanose Degénérée’’ou MLM nível de Clark 1 e outros MLM níveis de Clark mais avançados (Fig.2). 


Fig.2: A) Hiperpigmentação da pele devido a crescimento atípico de melanócitos. B) Configuração epidermal lentigóide, com proliferação melanocítica progressiva incluindo epitélio perianexial. C) Invasão melanocítica da derme com formação de ninhos de células na junção epiderme-derme.

Os resultados deste estudo corroboram os de outros estudos, nomeadamente o de Panizzon, pois obtiveram-se francas melhorias na população em estudo. 523 pacientes, foram sujeitos a RG numa de 3 categorias de tratamento diferentes, resultando numa melhoria significativa de 88% dos casos. A utilização de RG é uma estratégia de tratamento não invasiva, mas muito segura. Apesar da cirurgia ser o tratamento de eleição pois tem elevadas taxas de cura e porque permite a remoção completa e imediata de componentes invasivos, ninhos de proliferação celular em estruturas perianexiais e controlo e avaliação das margens, não excluí possíveis recidivas e a preservação estética pode ser difícil de manter. Assim, os RG podem funcionar como uma alternativa ou complemento terapêutico altamente fiável, à cirurgia, especialmente no caso de lesões de grande diâmetro. O resultado cosmético é excelente (Fig.3). 



Fig.3: Mulher, 72 anos, com diagnostico de LM aos 30 anos. Sujeita a 4 cirurgias, sempre com recidivas. Referenciada para tratamento com RG. Análise histológica revelou MLM, nível Clark 2, com proliferação melanocítica progressiva do epitélio perianexial. A) Antes do tratamento. B) No final do tratamento. C) No final do período de acompanhamento: 5 anos depois do tratamento.

Bibliografia
  • James, William D.; Berger, Timothy G.; et al. (2006). Andrews' Diseases of the Skin: clinical Dermatology. Saunders Elsevier. 
  • McKenna JK, Florell SR, Goldman GD, Bowen GM (April 2006). "Lentigo maligna/lentigo maligna melanoma: current state of diagnosis and treatment". Dermatol Surg 32 (4): 493–504. 
  • Hedblad MA, Malbris L, (July 2012). “Grenz ray treatment of lentigo maligna and early lentigo maligna melanoma”, Journal of the American Academy of Dermatology, vol 67 Issue 1, pages 60-68.

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