Tecido adiposo castanho e obesidade


Funções do tecido adiposo castanho e relação com a obesidade 
Inês Rodrigues



Introdução 


O tecido adiposo é um tipo especial de tecido conjuntivo onde se podem observar predominantemente células adiposas ou adipócitos. Estas células estão localizadas em diversas áreas no corpo humano e constituem, em adultos com um peso normal, 20-25% do peso corporal em mulheres e 15-20% em homens. Devido à sua ligação com diversas patologias como a obesidade, diabetes e doenças cardíacas, os adipócitos são actualmente as células mais estudadas do tecido conjuntivo. 

O tecido adiposo é o maior depósito corporal de energia, sob a forma de triglicéridos. É também responsável por diferenças no contorno corporal entre a mulher e o homem, formação zonas de absorção de impacto (principalmente na planta do pé e na face palmar das mãos), isolamento térmico do organismo e manutenção da posição de certos órgãos. Recentemente tem-se enfatizado também o papel deste tecido na secreção de diversas moléculas, sendo que atualmente o tecido adiposo é reconhecido como um órgão endócrino e sinalizador. 

O tecido adiposo pode ser dividido em dois tipos: tecido adiposo comum, branco (amarelo) ou unilocular (Fig. 1), cujas células, quando desenvolvidas, apresentam uma gotícula (constituída por várias microgotículas) que ocupa quase todo o citoplasma; e tecido adiposo castanho (TAC) ou multilocular (Fig. 2), formado por células mais pequenas e com núcleo centrado que contêm numerosas gotículas lipídicas e muitas mitocôndrias. 

Fig. 1 – Corte de tecido adiposo unilocular de um mamífero jovem. As setas indicam núcleos de adipócitos comprimidos contra a membrana celular. 
Fig. 2 – Tecido adiposo multilocular ou castanho em volta de um vaso sanguíneo (BV) com tecido adiposo unilocular adjacente. Os adipócitos do tecido castanho são ligeiramente mais pequenos e contêm várias gotículas lipídicas e um núcleo esférico centrado.


A principal função dos adipócitos castanhos é a produção de calor (“non-shivering thermogenesis”). Nos animais que terminam o seu período de hibernação ou nos mamíferos recém-nascidos (incluindo humanos) que são expostos a um ambiente mais frio que o útero materno, há a libertação de norepinefrina no TAC. Este neurotransmissor ativa a lípase presente nos adipócitos, promovendo a hidrólise de triglicéridos a ácidos gordos e glicerol. No entanto, ao contrário do que acontece com o tecido adiposo unilocular, os ácidos gordos libertados são rapidamente metabolizados, levando ao aumento do consumo de oxigénio e produção de calor, elevando a temperatura do tecido e aquecendo o sangue circulante que distribui o calor pelo resto do corpo. Este aumento de temperatura é acentuado nestas células pela presença de termogenina ou Uncoupling Protein-1, (UCP-1), uma proteína única no TAC que permite que o refluxo de protões previamente transportados para o espaço intermembranoso se realize sem ter de passar pelo sistema ATP-sintetase nas unidades globulares mitocondriais. Consequentemente, a energia gerada pelo fluxo de protões não é utilizada para sintetizar ATP e é dissipada como calor (Fig. 3). 

Fig. 3 – Processo quimiosmótico de formação de ATP nas mitôndrias. À direita, a proteína termogenina forma um caminho alternativo livre para o refluxo de protões. Este refluxo dissipa energia sob forma de calor sem produção de ATP. 


O TAC desenvolve-se a partir do mesenquima embrionário. Os lipoblastos e células mesenquimentosas que constituem este tecido podem assemelhar-se a epitélio antes de ocorrer acumulação de gordura. Nos humanos, a quantidade de tecido castanho é máxima (relativamente ao peso corporal) no nascimento, quando a termogénese é mais necessária (Fig. 4). Nos adultos (Fig. 5) é encontrada apenas em áreas escassas, especialmente em volta do fígado, glândulas adrenais, aorta e mediastino, sendo a sua importância fisiológica considerada minima para muitos. 

Fig. 4 - Distribuição de tecido adiposo numa criança de 3 meses. As áreas mais avermelhadas identificam zonas de tecido adiposo castanho. 

Fig. 5 - Distribuição de tecido adiposo numa mulher adulta de 30 anos.



Tecido adiposo castanho no adulto e na obesidade 


Apesar da pouca importância dada ao TAC nos seres humanos na idade adulta, desenvolvimentos tecnólogicos, especialmente na área da imagiologia, têm permito estudar mais detalhadamente este tecido. A utilização de tomografia por emissão de positrões (TEP) e tomografia computorizada (TC) permitiu localizar com precisão a presença de TAC em adultos humanos, tendo sido encontradas prevalências entre 2.5% a 45%. No entanto, as conclusões relativamente a uma possivel ligação entre a quantidade de TAC e o Índice de Massa Corporal (IMC) eram contraditórias. 

Um estudo publicado pelo New England Journal of Medicine (NEJM), analisou a actividade do TAC em homens adultos 24 homens adultos, entre os quais 14 tinham excesso de peso ou eram obesos e 10 eram magros. A actividade foi estudada utilizando a TEP com F-fluorodeoxiglucose e TC após a exposição dos participantes a condições de temperatura neutras (22oC) durante 1 hora, seguida de 2 horas de exposição a temperaturas moderadamente frias (16oC). Foram também calculados os gastos energéticos e o IMC de todos os participantes. Para se confirmar a presença de TAC na região supraclavicular, utilizou-se a microscopia clássica e ensaios de imunofluorescência usando um anticorpo anti UCP1 em amostras de nódulos supraclavículares removidos cirurgicamente numa mulher de 46 anos com função tiróidal normal (Fig. 6). 

Fig. 6 – A: Analise histológica com H&E de tecido adiposo castanho (esquerda) e unilocular (direita). B: Ensaio de imunofluorescencia usando um anticorpo anti UCP-1. As imagens mostram resultados positivos (verde) no tecido adiposo castanho (esquerda) mas negativos à direita (tecido adiposo unilocular).

Os resultados demonstram uma clara actividade do TAC após exposição ao frio (Fig. 7), especialmente na região supraclavícular. Além disso, a actividade do TAC era consideravelmente mais baixa no participantes obesos (Fig. 8), havendo uma relação de proporcionalidade inversa entre o IMC e a actividade do TAC. Por outro lado, apenas um dos participantes não demonstrou qualquer actividade de TAC. Os participantes com maior actividade do TAC demonstraram também menores descidas de temperatura a nível distal. Um estudo mais recente, realizado em 2011 com participantes com obesidade mórbida, obteve resultados semelhantes. Estes resultados sugerem então um possível papel do TAC no metabolismo humano, sendo que pessoas com mais adipócitos castanhos apresentam um menor risco de se tornarem obesas.
 

Fig. 7 – Imagens tomográficas (PET-CT) de um dos participantes depois da exposição ao frio (esquerda) e em condições de temperatura neutras (direita).

Fig 8 – Imagens tomográficas (PET-CT) de 9 dos 24 pacientes testados. A fila superior e do meio correspondem a indivíduos magros e a inferior a indivíduos obesos ou com excesso de peso.



Novas perspectivas no tratamento da obesidade

Outros estudos têm sido realizados tendo como fundo as novas descobertas relativas ao TAC. Investigações, desta vez realizadas em roedores, demonstraram que ratos com deficiências na UCP-1 em condições de termoneutralidade acumulavam mais tecido adiposo branco e se tornavam obesos mais facilmente do que os ratos sem esta alteração, evidenciado o papel desta proteína num processo denominado “termogénese induzida pela dieta”. Outro estudo nos mesmos animais demonstrou que a exposição ao frio acelera a clearence plasmática de triglicerídeos como resultado de uma maior captação dos mesmo pelo TAC, um processo normalmente dependente da lipoproteína lipase (LPL) e do receptro transmembranar CD36. A nível patofisiológico, a exposição ao frio levou à correcção dos níveis de hiperlipidémia e melhorou os efeitos da resistência à insulina. 

Em humanos, sabe-se actualmente que o PR Domain Containing 16 (PRDM16) e a Proteína Óssea Morfogenética 7 (BMP7) estão relacionados com o aumento do TAC e com a diferenciação dos seus percursores, o que abre portas para possíveis medicamentos contra a obesidade utilizando formas manipuladas destas moléculas. Da mesma maneira, estas descobertas também podem futuramente abranger o tratamento de doenças directamente relacionadas com a obesidade como os Diabetes Mellitus tipo 2, aterosclerose e as doenças cardiovasculares.




Bibliografia: 


  • Cypess AM, Lehman S, Williams G et al. (2009) Identification and Importance of Brown Adipose Tissue in Adult Humans. N Engl J Med 2009;360:1509-17. 
  • Lichtenbelt WM, Vanhommerig JW, Smulders NM et al. (2009) Cold-Activated Brown Adipose Tissue in Healthy Men. N Engl J Med 2009;360:1500­8. 
  • Mescher, Anthony L.; Junqueira's Basic Histology: Text and Atlas, 12th Edition 
  • McGraw-Hill Medical; 12 edition (August 28, 2009) 
  • Ross, Michael H. - Histology: a text and atlas: with correlated cell and molecular biology/Michael H. Ross, Wojciech Pawlina.—6th ed. 
  • Vijgen GHEJ, Bouvy ND, Teule GJJ, Brans B, Schrauwen P, et al. (2011) Brown Adipose Tissue in Morbidly Obese Subjects. PLoSONE6(2):e17247. 

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